Falta de chuva acende sinal de alerta

Desde outubro do ano passado, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) determinou que operação de geração termelétrica despacho fora da ordem de mérito (mais caras) com objetivo de reduzir a degradação dos armazenamentos dos reservatórios das usinas hidrelétricas. 

Este cenário foi agravado no final do mês de março, fim do período úmido, onde foi constatado a pior afluência no Sistema Interligado Nacional (SIN) nos últimos 91 anos. 

Essa escassez de chuvas e baixos níveis de reservatórios é justificado por especialistas, ao desmatamento da Amazônia, aquecimento global, o fenômeno natural La Nina (que ocorreu de setembro 2020 a maio de 2021) e falta de investimento em bacias hidrográficas, fundamentais para a preservação dos nossos reservatórios.

Com as previsões de níveis críticos de chuva para 2021 e as perspectivas ruins do cenário meteorológico, as incertezas sobre a operação do sistema continuam. 

Além da preocupação com os níveis dos reservatórios, existem ainda os desafios com restrições de geração de grandes usinas hidrelétricas para preservação para uso múltiplo da água.

Como os especialistas analisam o cenário

Segundo o diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Carlos Ciocchi, o ONS tem enfrentado esses desafios com muita atenção, mas que não há risco de desabastecimento mesmo diante a um período úmido frustrante. 

Segundo ele, uma expectativa positiva, recai sobre a performance da geração de energia eólica que vem apresentando boa safra de ventos e à solar que também vem apresentando recordes de geração. Além disso, estão em andamento mudanças nos parâmetros na formação de preço do PLD, que podem ser benéficas para o setor. 

Ao final Ciocchi informa que, “o ONS não está medindo esforços para manter a operação do sistema de forma regular e avaliando sempre o melhor custo-benefício em suas ações, mas não existe energia mais cara do que aquela que você não tem”.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também assegurou que não há risco de o país sofrer racionamento de energia nem blecaute em função da escassez de chuvas. Ele disse ainda, que a situação vem sendo acompanhada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME).

Outros estudos, como o da PSR, também indicam que temos capacidade de geração para atravessar esse período seco. 

Em sua avaliação, o Brasil possui alternativas para gerenciar a atual crise hídrica, assim como já fez em um passado recente, que apresentou situações similares e o atendimento da demanda poderia ser efetuado com os recursos que o país dispõe. 

Para o suprimento de 2022 a consultoria diz que a situação pode mudar e que por isso ainda é cedo para se avaliar esse ponto, apesar da ‘luz amarela’ ter sido acionada quanto ao suprimento para o próximo biênio.

A ANEEL recentemente também criou um gabinete de crise, destinado a acompanhar as condições do Sistema Interligado Nacional no biênio 2021/2022, com objetivo de monitoramento contínuo da situação do SIN, contribuindo para segurança do suprimento de energia elétrica e a superação da situação de emergência hídrica.

Segurança Energética

Esse cenário pressiona o governo federal, que teme uma provável queda na produção de eletricidade no país. 

O setor elétrico, por sua vez, receia blecautes em horários de pico, quando a demanda por energia for maior. Como ações para garantir a segurança energética, o governo federal está adotando algumas medidas preventivas, além do despacho fora da ordem de mérito e importação de energia da Argentina e Uruguai, outras ações. 

Entre elas: leilões de emergência para contratar energia de usinas já disponíveis como a biomassa e óleo combustível, flexibilização de limites de intercâmbio de energia entre as regiões e também de usinas hidrelétricas para que possam operar mais próximas de seus limites técnicos.

Como forma de incentivar os consumidores a economizar energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) autorizou a cobrança da bandeira tarifária vermelha patamar 2, inicialmente para junho, podendo ser mantida enquanto não voltar a chover nas regiões dos reservatórios. Essa é a bandeira mais cara do sistema.

Mas há ações pelo lado da demanda também. 

Em reunião no dia 04 de junho com representantes de associações empresariais, o Ministério de Minas e Energia, defendeu a apresentação de uma proposta pelo mercado que contribua para um melhor gerenciamento da carga. 

A intenção do governo é estar com o programa de resposta de demanda pronto até o fim do mês de julho para ser implantado no começo de agosto, caso necessário. 

O mecanismo já existe e está regulamentado pela ANEEL para a aplicação em todo o país, mas a adesão das empresas vai depender dos incentivos a serem dados. Entenda mais

Impacto sobre contratos

Diferentes categorias de agentes do setor elétrico já colocaram esse tema em seu radar e estão se movimentando para entender que efeitos um eventual racionamento poderá ter sobre seus contratos de energia. 

Apesar dos contratos terem cláusulas específicas para casos de racionamento há pelo menos duas décadas, em decorrência do racionamento de 2001.

Há uma preocupação por parte dos geradores em relação a eventuais medidas de racionalização, que possam ser utilizadas para reduzir contratos e pelo lado dos consumidores há a preocupação quanto ao fato de os contratos lhes protegerem em relação a eventuais situações de racionamento.

Em termos gerais, os acordos estabelecem que nesses casos deve ser seguida a legislação que regrará o racionamento. 

Segundo uma cláusula padrão de contratos de compra e venda de energia, os volumes de energia e pagamentos, devem ser reduzidos proporcionalmente.

Histórico de racionamento

No início dos anos 2000, o sistema elétrico brasileiro estava menos desenvolvido e diversificado que hoje, e dependia muito mais da geração hidrelétrica. Naquela época, mais de 80% do suprimento de energia elétrica provinha de geração hidráulica. 

Foi nesse período, entre os anos de 2001 e 2002, que ocorreu no Brasil a chamada “crise do apagão”.

Na análise de especialistas que acompanham o setor, a crise foi consequência da falta de investimentos em geração e transmissão de energia elétrica, combinada com uma estiagem prolongada, que reduziu drasticamente os níveis dos principais reservatórios de água no país, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. 

A produção de energia elétrica era insuficiente para atender ao consumo de residências, indústrias, serviços e atividades rurais.

Como resposta a essa emergência, o governo federal, na época comandado por Fernando Henrique Cardoso, implantou uma rigorosa política de racionamento, com a redução obrigatória do uso de energia. 

Uma das medidas foi a redução compulsória de 20% do consumo de eletricidade para toda a população das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e parte da Região Norte. 

O consumidor teve que se adequar a cotas de consumo mensal de energia, sob pena de onerar ainda mais a sua conta ou sofrer corte de luz.